Toda década deveria começar com um álbum de uma banda de um homem só - e esta precisa disso mais do que a maioria. McCartney IIIcontinua sua tradição de discos solos caseiros, como em sua estréia acústica de 1970 e sua excentricidade de synth-pop de 1980, apresentada em McCartney II. Similar aos seus dois predecessores, é McCartney em sua forma mais divertida.
Ele não está suando por ser uma lenda, um gênio ou um Beatle - apenas um homem de família relaxando na quarentena, escrevendo algumas músicas para manter seu fluxo de energia. Como o resto de nós, está trancado, curtindo a fazenda de sua filha, os netos e dedilhando seu violão sob o sol do verão inglês. É o mais caloroso e amigável dos álbuns de quarentena - basicamente o encontro de Ram (Paul e Linda, esposa dele) e Folklore(Taylor Swift).
O próprio músico escreveu, tocou e produziu McCartney III com muita dedicação folclórica. Nos anos 1970, um de seus colegas do Wings o chamou de "apenas um fazendeiro tocando guitarra", e é essa a vibe buscada aqui. Paul não parecia tão rústico desde seus primeiros dias solo, de "Mary’s Got a Little Lamb" a "Junior’s Farm" e "Mull of Kintyre". Quando canta sobre ovelhas e galinhas, você sabe como se refere a elas de verdade, não a metáforas.
McCartney III funciona melhor quando se inclina totalmente para o conceito acústico solo. Começa forte com a maravilhosa “Long Tailed Winter Bird”, possuidora de alguns minutos de violão folk frenético antes mesmo de começar a cantar. Há também momentos espirituosos, como a balada rock de iate no estilo London Town de "Women and Wives" ou a "Lavatory Lil", no bobo estilo Abbey Road.
McCartney voltou a compor músicas nos últimos anos. Passaram-se apenas dois desde o excelente Egypt Station, um de seus melhores discos solo de todos os tempos, com a meditação de guitarra no estilo "Dominoes" de Alex Chilton, definitivamente um dos dez melhores clássicos solo de Paul de todos os tempos.
Egypt Station também foi primeiro lugar nas paradas, e Paul levou isso a sério. Foi sua primeira vez no topo desde Tug of War em 1982, estabelecendo um novo recorde para o período mais longo entre os álbuns em primeiro lugar.
Sua atual onda de sucesso começou com Chaos and Creation in the Backyard, colaboração com Nigel Godrich em 2005, da qual escapou das fissuras na época, mas, agora, é um grande ponto de virada em sua história.
Paul nunca quis se contentar em ser um artista nostálgico - isto sempre o diferencia de seus colegas de geração. Orgulha-se de seguir em frente. Até a pandemia desacelerar suas turnês, arrasava multidões ao vivo, todas as noites, com sua melhor banda desde os Fab Four. Desde Chaos and Creation, tem escrito canções brilhantes.
McCartney IIInão é tão ambicioso quanto Egypt Station- como suas duas primeiras declarações solo auto intituladas, é um limpador de paladar espontâneo após um laborioso projeto de estúdio. McCartney veio logo depois de Abbey Road, enquanto dispensava os Beatles com canções acústicas como “Every Night” e “The Lovely Linda”, gravadas em casa em seu novo toca-fitas.
McCartney II veio logo após o álbum final dos Wings, o subestimado Back to the Egg; teve um hit número um genuinamente maluco, "Coming Up," e a jóia perdida "Temporary Secretary," despercebida por décadas até o mundo, de repente, notar ser brilhante.
McCartney IIItem o mesmo toque despojado - as únicas falhas surgem quando aumenta os sintetizadores e tenta agitar. O ápice é "The Kiss of Venus", um romance pastoral como um "Mothers Nature’s Son" atualizado, enquanto atinge notas agudas comoventes em sua voz soberbamente envelhecida.
Termina com “When Winter Comes”, história contundente da vida na fazenda. A princípio, parece o almanaque de tarefas de um fazendeiro, como "Must dig a drain by the carrot patch” (em tradução livre: "Preciso cavar um buraco perto do canteiro de cenouras").
Mas, também é um retrato da felicidade doméstica na velhice, com dois amantes idosos aquecendo os dedos dos pés junto ao fogo, forçados pelo inverno a ficar em casa e a se deliciarem. A música tem um poder emocional surpreendente - como um outro lado de "When I’m 64", com Paul olhando para trás aos 78 anos.
Quando McCartney estava fazendo suas declarações de farm-core dos anos 1970, como Rame Red Rose Speedway, os álbuns foram atacados. Mas viveu o suficiente para ver uma nova geração considerar, corretamente, estes discos como clássicos cult - para sua grande diversão.
Como disse à Rolling Stone em 2016, "Um dos meus sobrinhos, Jay, disse: ‘Ram é meu disco favorito de todos os tempos. Pensei estar morto, fedendo ali no fosso de esterco. Então eu escutei. Uau, entendi o que estava fazendo’”. A reivindicação deve ser doce. Isso é parte do charme de McCartney III. Não está furioso contra o inverno - é apenas uma chance para o mestre relaxar e sorrir.
Fonte: Rolling Stone