Leandro Tavares, entregador de comida por aplicativos de 21 anos, espera pedidos na Avenida Paulista — Foto: Fábio Tito/G1
'Aumentou a demanda, mas está muito concorrido', diz ciclista de 21 anos. G1 publica entrevistas com pessoas que seguem com trabalhos essenciais fora de casa mesmo no isolamento social.
Leandro Tavares viu a bicicleta de um amigo encostada em um canto e resolveu virar entregador de comida por aplicativos. Era o jeito de “fazer um dinheiro” e não ficar à toa.
Já se foram os tempos em que ele podia comer uma pipoquinha e ver “Vingadores” ou outro filme recém-lançado, privilégio por ser balconista de uma rede de salas de cinema de São Paulo. Mas ele foi demitido em fevereiro, quando a crise no setor já era prevista.
“Sinto falta de sair no final de semana, de curtir aquela baladinha e voltar no outro dia”, conta, rindo timidamente, ao ser perguntado sobre saudades pré-pandemia. “Sinto falta de ir no cinema com a gata. Mas hoje chega lá e nem tá aberto.”
Nesta semana, o G1 publica entrevistas com pessoas que prestam serviços essenciais e seguem trabalhando fora de casa durante o isolamento social por causa da pandemia da Covid-19.
Com 21 anos e um boné com o logotipo da Ferrari na cabeça, Leandro gasta 40 minutos para ir do apartamento onde mora sozinho no bairro Jardim Campanário, em Diadema (SP), até a Avenida Paulista.
Quando conversou com o G1, estava em seu segundo dia de entregador, esperando pela "correria" antes da chegada de pedidos de almoço.
“No primeiro dia, ganhei R$ 25 e fiz cinco viagens”, contabiliza. “Aumentou a demanda, mas está muito concorrido. De vez em quanto você fica meio parado. Mas se ‘estralar’, a gente fica até 22h."
Outros entregadores confirmaram a queda do número de pedidos por dia. Eles concordam que há mais demanda, mas notam a chegada de muitos entregadores novos.
Segundo pesquisa da Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), um entregador ganhava em média R$ 936 por mês, em 2019.
A conclusão do estudo foi que o perfil típico de um entregador ciclista de aplicativo é homem, negro, de 18 a 22 anos, e morador de periferias que estava desempregado.
Além da concorrência, Leandro tem outros problemas com a pandemia. Ele tem medo de transmitir o vírus para seus pais.
“Quando eu vou pra casa deles, eles ficam falando o que eu tenho que fazer. Daí eu tenho que lavar a mão, passar álcool... É que eles já são um pouco de idade, né? Eu tenho medo de passar pra eles.”
Quantos anos eles têm? “Meu pai tem uns 41 e minha mãe uns 46.” Leandro fica mais tranquilo ao saber que eles não estão no grupo de risco.
Os pais moram em uma casa “na rua detrás” da dele, com cinco irmãos mais novos e uma irmã mais velha, cuidadora de crianças, com férias antecipadas.
Adeus, peladas
Perto de lá, também tem uma quadra de futebol. E foi ali onde Leandro percebeu que a pandemia era coisa séria.
“A gente estava jogando bola em uma quadra, eu e uma galerinha. Aí começou a montar um bolinho... Veio uma viatura, olhou só o grupinho e foi embora.”
“Daí, voltou com mais três viaturas. Mandou todo mundo embora... Foi naquelas, né? Começaram a falar pra gente desse vírus e todo mundo teve que ir embora.”
Desde então, ele diz que nunca mais voltou lá. “O povo até tenta jogar, mas a polícia chega.” Para não correr riscos, diz que prefere ficar conversando na frente de onde mora.
“Fico fazendo nada. Porque eu estou sem televisão, então nem fico em casa direito. Celular eu até mexo, mas não uso muito não.”
Ele nunca baixou aplicativo de paquera. Mas com a falta do que fazer, até cogita. "Nem uso, ‘serião’. Eu penso em baixar, mas na hora eu fico... 'Ah não'. As minas só pensam no dinheiro e eu já não tenho. Mas talvez eu baixe. Falam tanto", diz, dando risada.
Antes do isolamento, ele conta, a maior distração era se dividir entre os jogos do Corinthians e
“Ah, sem futebol tá chato, né?”, lamenta. “Por causa dessa crise aí, a Champions vai voltar só em agosto! Gosto de acompanhar os clássicos, como algumas pessoas chamam, com o PSG, Barcelona, Real.”
Mesmo torcendo pro PSG, ele fica um pouco ofendido quando perguntado se Neymar é um ídolo ou se curte o estilo dele.
"Eu torço não é nem pelo Neymar. É porque o time é da horinha, parça. É um time que está tentando se levantar. O Neymar é igual a gente, não tem nada demais. Ele é igual a gente, mas tem habilidade."
Mas voltando às pedaladas de fora do campo, o que vai fazer assim que o dinheiro das entregas cair na conta? “Eu gosto de comprar roupa, tênis... É bater o olho e pegar. Pode ser até uma coisa sem marca, se eu gostei, eu tô comprando.”
“Logo, logo vou ter que comprar outro tênis. Esse está ficando velho”, diz, mostrando a sola do tênis gasta pelo pedal da bicicleta.
Por: G1