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Documentário retrata a disputa corporativa entre uma empresa emergente e a então líder de mercado.
A indústria dos games movimentou US$ 120,1 bilhões em 2019: mais do que o mercado da música e de cinema juntos. Com o lançamento praticamente simultâneo do Playstation 5 e dos Xbox Series X e Xbox Series S, estamos vivendo mais um momento dessa história que começou décadas atrás, com Ralph Baer e sua “Caixa Marrom”, em 1968. E se, em 2020, esses lançamentos acontecem ao mesmo tempo, não é por acaso: é só mais um dia em uma guerra cruel para vencer nesse mercado.
Essa batalha ficou mais acirrada nos anos 90 e Console Wars traz o recorte desse período. Valia de tudo: estratégias agressivas de marketing, alfinetadas públicas entre os chefões de empresas concorrentes (o da Nintendo publicou até um “poema” dedicado ao CEO da Sega nos Estados Unidos em um jornal; e quase saíram na mão em uma ocasião.)
Em 90 minutos, Jonah Tulis e Blake J. Harris nos mostram o clima dos anos 90, quando a Nintendo era soberana e detinha 95% do mercado. O NES era sucesso absoluto e “jogar videogame” era sinônimo de “jogar Nintendo”. A Sega era uma empresa pequena, apenas a décima quarta do mercado, e não fazia cócegas no império da Big N. Até que as coisas começaram a mudar.
Com a contratação de Tom Kalinske, responsável por sucessos comerciais na Mattel, a Sega adotou uma estratégia arrojada e agressiva. E, pouco a pouco, se tornou a número um nos Estados Unidos.
Tom Kalinske, CEO da Sega durante a “guerra dos consoles” (Foto: HBO)
Tudo ao mesmo tempo
O livro A Guerra dos Consoles. Sega, Nintendo e a Batalha que Definiu Uma Geração (Intrínseca, 2015) e o documentário Console Wars foram feitos ao mesmo tempo. Não é uma adaptação. “Porque as pessoas iam querer ver os comerciais, o contexto visual daquilo que estava sendo narrado no livro”, explica Tulis.
Console Wars conta a luta entre Davi (Sega) e Golias (Nintendo), a história de uma empresa de pequeno porte que tinha a ambição de derrotar o monopólio e a “terrível ditadura” da Nintendo. É uma jornada do herói que exalta o “american way of life.”
Nos primeiros minutos, temos a nossa crença de que a Nintendo é uma empresa cheia de magia, um “sistema de entretenimento para toda a família”, simbolizada por bigodudo que tenta deter o mal, com jogos coloridos, criativos e lúdicos. Somos apresentados a executivos arrogantes, ambiciosos, fumando cachimbos fantasiados de exploradores em um safari, orgulhosos de estratégias agressivas que, ainda que fossem dentro da lei, ultrapassavam limites éticos.
“Eles parecem vilões, mas tiveram que agir desse jeito, senão não daria certo”, justifica Tulis. A Nintendo entrou em um mercado falido depois do colapso do Atari. Ninguém acreditava que videogame fosse um negócio de verdade.
Para montar o documentário, a equipe contou com “dois mil clipes, entrevistas atuais, imagens dos jogos dos anos 90, comerciais dos anos 90, tudo coeso, para compor uma narrativa”, explica Harris, que também é o autor do livro.
“O maior desafio foi condensar tudo em um documentário de 90 minutos. Mas também não tínhamos imagens de arquivo de vários momentos da história… Então tivemos a sorte de ter as animações da Grey Pictures [empresa de Seth Rogen] e a Mindbomb, que nos ajudou a encontrar as imagens que pensávamos que não acharíamos”, conta Harris.
Davi e Golias
No documentário, Tom Kalinske é tratado como o visionário que colocou a Sega no topo, nos EUA. E que, só não foi mais longe, por causa do “excêntrico” e “invejoso” presidente da Sega Japão, Hayao Nakayama (que, inicialmente, havia dado carta branca à estratégia de Kalinske). Então, além de competir com a Nintendo, o CEO da Sega América também tinha que competir com a sabotagem interna, vinda da sede da empresa, no Japão.
Hayao Nakayama não quis participar do documentário. Então, as cenas que o envolvem, são feitas em animação.
A empatia do espectador geralmente vai para o lado mais fraco, mas não dá para abstrair que as estratégias da Sega também eram agressivas, principalmente no marketing. E, ao que parece, assim como a Nintendo tinha feito para restabelecer um mercado falido, a Sega só teria sucesso se trabalhasse no limite. Era Davi contra Golias e eles lutavam com as armas que tinham. O trunfo foi usar o espírito dos anos 90, a grande novidade que era o avanço do mercado e da tecnologia dos games, e a rebeldia jovem a favor da empresa.
E, de fato, Console Wars consegue nos transportar para o melhor daquela década. Mostrando personalidades importantes, ídolos adolescentes, ilustrando com imagens e depoimentos das pessoas na rua e em eventos de games, você consegue ver o que estava em pauta (e a moda, o jeito de falar). Quem assiste é colocado em um clima corporativo, de certa forma abusivo, tenso, com pessoas nos bastidores em constante alerta e ambição: em contraste, também vê crianças felizes, ganhando os consoles de presente, no Natal. “Era muito importante para nós que a audiência se sentisse dentro do documentário, na mesma sala que os personagens (…) O documentário não tem narrador porque acho um narrador te tira um pouco de dentro do que está acontecendo, e queríamos que você se sentisse dentro do filme”, conta Tulis.
“Queríamos que fosse uma ‘cápsula do tempo’: por 90 minutos você sai do momento atual, escapa, experimenta aquilo, se sente nos anos 90, aquela empolgação e otimismo que tomava conta de nós naquela época”, completa Harris.
NES contra Genesis: a batalha que deu início a guerra de consoles nos anos 90
Console Wars não é exatamente para quem gosta da “magia dos games”. É um registro que serve para entender o mundo sujo, pesado, estressante que era o mercado de jogos eletrônicos. Com estratégias tão agressivas, que depreciavam a concorrência e que até inventavam “termos tecnológicos” para enganar o consumidor — e ainda rir disso.
Será que isso acabou?
“Pelo menos Sony e a Microsoft são cordiais, amigáveis na internet. Não há o sentimento de guerra que havia. Eu não acho que é assim que eles se sentem, um sobre o outro. Mas é assim que eles se apresentam”, diz Harris.
Da guerra dos consoles, surgiu uma indústria mais forte, com um novo concorrente: a Sony. A Sega, segundo a obra, foi auto sabotada por Nakayama — uma fonte importante deixada de fora. Eles não conseguiram falar também com Minoru Arakawa, o fundador e o primeiro presidente da Nintendo nos Estados Unidos (que ficou no cargo entre 1980 e 2002).
Mas é compreensível. Não parece ter sido uma época divertida e talvez eles não quisessem reviver o auge de uma guerra. Jonah Tulis define bem: “Aquela época era como o velho oeste.”
Console Wars está disponível na HBO e HBO Go. Colaborou para essa matéria: Tayná Garcia.
Por: Jovem Nerd