Osasco cria tenda com garoa de cloro e local vira ponto de diversão
Cidades
Publicado em 16/04/2020

Passageiros de trem da CPTM passam, por estação de higienização, implantada em frente à estação de Osasco/Imagem: Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Se até o Cascão lavou as mãos por causa da covid-19, a Prefeitura de Osasco calculou que seria uma boa aposta borrifar água misturada com hipoclorito de sódio na população. Desde segunda-feira, três tendas espirram spray contendo o mesmo produto da água sanitária, mas em concentração muito mais baixa, em passageiros que chegam ou saem da principal estação de trens da cidade.

A Turma da Mônica se juntou porque foi um acontecimento assistir o Cascão lavando as mãos para não disseminar a covid-19 —numa campanha de conscientização diante do agravamento da pandemia do novo coronavírus. Na contramão da personagem desafeita a banhos, Caroline Carvalho, 29, funcionária de uma farmácia próxima, abriu os braços e foi por conta própria descobrir qual era a sensação. "Parece uma garoa", resumiu.

Chamada de Estação de Higienização, a estrutura virou diversão e as pessoas fazem pose na hora de atravessar. A mais comum é caminhar com os braços abertos, como quem comemora um gol. Os cinco garotos que passeavam de bicicleta gastaram um tempo até todos conseguirem passar pelo local empinando a bike. Foi pouco tempo na verdade. A tenda tem o comprimento de nove passos, distância pequena para um ciclista bem treinado em andar numa roda só. O único adolescente que não conseguiu na primeira vez foi zoado quando a reportagem do UOL esteve no local.

A adesão também contou com a cachorra de uma moradora de rua. O animal passou por uma tenda, ignorou o chamado da dona e partiu para a segunda. As crianças saiam debaixo da lona dando risadinhas satisfeitas. Há duas saídas laterais que permitem desviar da Estação de Higienização, mas quase ninguém escolhe este caminho. Preferem caminhar em direção ao spray e à novidade.

Nada sugere que a adesão ocorre porque as tendas espirram saúde. O maior sinal é que poucos usavam máscara naquilo que podemos chamar de "travessia da higienização". As fotos e vídeos, muitos deles com trilha sonora de Sandy que tocava na caixa de som da farmácia em frente ao local, também não sugerem preocupação com a pandemia.

Maria Eduarda (d) passa de cabeça baixa porque tem medo de alergia nos olhos e pele Imagem: Felipe Pereira

90 dias de garoa

A definição de garoa é bastante precisa para o que acontece na Estação de Higienização. Esta sensação existe porque no teto de cada uma das três tendas há canos de ferro que seguram mangueiras que na ponta espirram vapor. Mas como ocorre com as telhas em dias de chuva, nas extremidades da tenda a água fica acumulada e caem gotas grossas.

Camila Nunes, 28 anos, é analista de recursos humanos e passa pela estação todos os dias para ir ao trabalho. Pela manhã de ontem ela estava preocupada mesmo era como o cabelo reagiria. Como os fios não ficaram ressecados, nem houve outro efeito negativo, vai manter a travessia da higienização.

Já Maria Eduarda Campos, 19, auxiliar administrativa na mesma empresa de Camila, atravessa a tenda de cabeça baixa. Tem medo de irritar os olhos ou a pele. Saber que há o mesmo produto que na água sanitária incomoda. "A tenda espalhando vapor e você passando dentro parece uma lavação de carros."

O diretor de marketing da empresa responsável por montar a estrutura, Cláudio Santigo Filho, afirma que não há perigo porque a concentração de hipoclorito de cloro é de 0,05% - na água sanitária varia entre 2% e 2,5%. Ele diz que a população de Osasco tem contato com algo semelhante a água de uma piscina tratada com cloro.

De fato, a água é como ensinam no primário: incolor, inodora e insípida. Cláudio acrescenta que a intenção é o produto ficar nas roupas e as pessoas entenderem que precisam aumentar a higienização em tempos de covid-19. Tanto que há quatro pias junto às tendas e funcionários espremendo tubos de álcool nas mãos de todos os passageiros que chegam e saem da estação de trem.

O porteiro Gilvan ia e voltava na tenda de higienização montada em Osasco Imagem: Felipe Pereira

 Alguns moradores reclamam do custo para administração municipal. A prefeitura vai gastar R$ 48 mil com três meses de contrato. Técnico de fibra ótica, Marcio Silva, 38, tem dúvidas sobre a eficácia do produto porque fica muito pouco na roupa e logo evapora. Mas o custo do serviço é considerado exagerado.

"Não sou químico, mas não me parece que mata o vírus. E estão gastando muito dinheiro num tempo em que o povo está chorando para conseguir R$ 600".

Mas o pensamento dele é uma exceção em Osasco. O porteiro Gilvan José Herculano, 47, não pensava em nada disso quando permaneceu mais de um minuto envolvido em vapor. "Fiquei bastante para umedecer minhas roupas e minha mão. Eu ia e voltava. Depois de um dia de trabalho, é bom ter uma novidade".

A Estação de Higienização pode até levar as pessoas a melhorar a higienização, mas vai ser pela via da diversão — o que parece fazer todo sentido num país que adora memes.

Por: UOL

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